Como extrair o melhor dos dados e KPI’s em gestão de Legal Operations

Publicado em 28 de julho de 2020

Capa palestra Paulo Silva

Durante o Legal Conference 2020, o gerente de legal operations do Mercado Livre, Paulo Silva, discutiu a gestão jurídica baseada em dados e indicadores e os principais KPIs que orientam o dia a dia do departamento.

Quem é o palestrante?

Paulo Silva é gerente de legal operations do Mercado Livre, advogado, técnico em administração de empresas, pós-graduado em Direito Civil e do Consumidor, com extensões na áreas contratuais e bancária. Atuou no mercado financeiro, no setor de telecomunicações e energia, além de escritórios de advocacia.

Como é a estrutura do departamento jurídico do Mercado Livre?

O Mercado Livre é uma empresa de tecnologia que provê soluções para o mercado de e-commerce. De matriz argentina, foi fundada em 1999. Possui hoje mais de 10 mil colaboradores distribuídos em 18 países da América Latina.

Dentro de seu ecossistema estão a própria plataforma de marketplace (que leva o mesmo nome), a fintech Mercado Pago e suas estruturas logísticas. 

O departamento jurídico brasileiro está dividido em células de práticas legais, responsáveis por atender, exclusivamente, o país. São eles: 

  • Gerência de dispute resolution (contencioso): com foco na resolução de disputas do cliente; 
  • General practices: responsável pela análise de contratos e lançamento de produtos; 
  • Regulatório: voltada para a fintech Mercado Pago, a área acompanha a regulação da atividade junto ao Banco Central do Brasil; 
  • Relações governamentais: que acompanha as movimentações do setor dentro do poder público. 

Em 2020, foi instituída a gerência de legal operation. A estrutura conta com sete pessoas, que se dividem em: 

  • Controladoria jurídica;
  • Legal intelligence: responsável pela gestão de dados; 
  • Melhoria de projetos e operações: responsável pelo ciclo PDCA. 

A mesma estrutura do departamento jurídico brasileiro se replica em outros países da América Latina. 

A partir de agora, Silva conta sua experiência prévia na gestão de dados e sua implementação no departamento da empresa. 

Assista abaixo a palestra na íntegra:

Quais são os pilares mais importantes da gestão jurídica?

“A gestão legal é responsável por aplicar os conceitos naturais à administração geral como Ciclo PDCA, as metodologias de projetos, a análise SWOT ao departamento jurídico. Porém, isso nem sempre aconteceu de forma estruturada. 

Antes, o advogado consumia grande parte de seu tempo de trabalho em outras atividades. Isso gerava um problema, pois ele precisava se dividir entre a parte técnica, operacional e de gestão. 

Depois, evoluímos para um cenário de backoffice em que algumas atividades foram repassadas a uma área acessória, mas que ainda não possuía uma estrutura bem definida, o que acabava gerando desencontros de informação. 

Em um terceiro momento, surgiu a figura da controladoria jurídica, que se ocupava de temas relacionados à finanças.

Recentemente, a partir de 2016, nasce a CLOC (Consórcio de Legal OPS dos Estados Unidos), no qual se entende que dentro do jurídico existem operações legais, que não se confundem com as operações técnicas. A partir disso, começou-se a construir um entendimento técnico para áreas de atuação. 

Hoje, a área de Legal OPS busca soluções para a departamento jurídico. Como seus pilares, podemos citar a gestão do time; a gestão de processos ou de produção; a gestão de marketing e a gestão financeira. 

Particularmente, entendo que existem mais dois pilares: a gestão de informação – na qual entra toda a parte de analytics – e a gestão de projetos, que gera uma perspectiva, que vai além da gestão de carteira de clientes”.

Na gestão geral do departamento jurídico, qual a importância dos dados, quais são os dados-chave e onde encontrá-los?

“Atualmente, fala-se muito da Advocacia 4.0, que é norteada pelo data-driven. Precisamos entender que os bons resultados são baseados em dados. Mas, os advogados ainda têm uma dificuldade grande em se basear nessas informações. 

A quantidade de dados que trafegam dentro de um departamento jurídico é gigantesca e, por consequência, a quantidade de insights é igualmente grande. Os dados agregam ao departamento jurídico informações, que podem ser usadas dentro da estratégia gestão. 

Eles podem ser encontrados nos cadastros, nos pagamentos, no controle de pauta, nas contingências, nas decisões, nos contratos, dentre outras atividades. 

As pessoas também são fontes de dados importantíssimas, pois elas acumulam um volume de informação que nem sempre está inserida no banco de dados”.

Como é possível estruturar dados na gestão jurídica?

“Só é possível extrair algum insight na medida em que seus dados estão estruturados. Contudo, ainda é muito difícil no universo jurídico ter toda a informação estruturada de uma única maneira.

Tenho experiência como advogado de contencioso e sei da dificuldade de lidar com vários sistemas, que possuem atuação específica. Por vezes, o mesmo dado, dependendo da fonte, tem uma estrutura diferente e unificá-lo é um desafio para o departamento.

O número de CNJ é um excelente exemplo. Analisando as posições de cada numeração, é possível verificar se é um processo é cível, trabalhista e seu estado de origem. Uma vez que é possível conhecer a estrutura deste dado e tê-lo como uma informação única, é mais fácil utilizá-lo dentro do seu banco como uma chave de busca, que pode lhe oferecer a quantidade de entradas por região, por UF ou, se preferir, por instância.

O dado estruturado exige uma organização para ser recuperado. Mas, existe ainda a figura dos dados ‘semi-estruturados’, que oferece uma certa estrutura, mas sua recuperação/ consulta não é tão simples. Como por exemplo, a recuperação de imagens e e-mails.

Já o pior dos cenários é a dificuldade para estruturar informações extraídas de arquivos de vídeo, áudio e redes sociais.  

De modo geral, cerca de 80% dos dados que trafegam hoje são desestruturados. Criar uma estrutura para eles exige esforço, mas o resultado vale a pena, pois a partir disso, a operação jurídica ganha visibilidade.”

Quais os KPI’s você acompanha no dia a dia da gestão?

“Quem trabalha com indicadores conhece aquela velha definição de (William Edwards) Deming: ‘Não se gerencia o que não se mede, não se mede o que não se define, não se define o que não se entende, e não há sucesso no que não se gerencia’. 

Segundo Deming, a gestão irá passar por ‘entendimento’, ‘definição’ e ‘medição’. Mas, é importante fazer algumas diferenciações, pois, às vezes, se confunde KPI’s (Key Performance Indicator) com métricas. 

KPI’s é um indicador, criado a partir de uma métrica, que irá mostrar o atingimento de um determinado resultado. Ele irá medir um processo estabelecido. Mas, muitos o confundem com métrica, que é, basicamente, a unidade de medição que vou usar para estabelecer esse indicador. 

É possível estabelecer como uma métrica o ticket médio para uma provisão, por exemplo. Pode-se fazer isso com uma média simples ou ponderada e ainda aplicar um desvio padrão. O indicador que se quer extrair neste exemplo é o ticket médio de condenação, que ainda pode ser ‘quebrado’ por estado, por objeto, por causa raiz, etc.. 

Outra questão comum é confundir KPI’s com SLA (Service Level Agreement). O SLA serve para estabelecer um nível de serviço que irá, muitas vezes, utilizar um KPI. Por exemplo: a criação de um SLA que estabelece que todos os contratos serão respondidos em até 48 horas. Dentro deste SLA é possível estabelecer como KPI a porcentagem de sucesso para as demandas atendidas dentro deste prazo. 

O KPI deve sempre levar para uma ação, para a melhoria de algum processo.”

Como é possível ter certeza de que todos os KPI’s estão conectados com o negócio da empresa?

“Os KPI’s financeiros são importantíssimos, pois eles mostram a origem e destinação de gastos e ainda os relacionam aos resultados obtidos. 

Indicadores operacionais servem para medir possíveis desvios no tempo de respostas das demandas. Para quem terceiriza trabalhos, permite analisar o tempo de resposta deste terceiro. 

É possível criar também um indicador para medir o quanto é imputado de responsabilidade para manter uma base de dados consistente dentro do escritório, pois nem sempre os escritórios atualizam o sistema como deveriam. 

A partir disso, é possível receber inputs interessantes sobre eventuais dificuldades e, assim, tomar as providências para melhorar a dinâmica. 

Quando se fala em contencioso, podemos citar a quantidade de entradas, as entradas por objeto, por estado, por pedidos. Para a área trabalhista, pode ser usado o KPI para medir as novas entradas após a reforma, por exemplo. 

Para saber se o KPI é relevante, ele precisa estar aderente ao negócio. No Mercado Livre criamos no departamento jurídico um indicador que se relaciona ao desempenho da plataforma. Esse indicador é público e permite que outras áreas o entendam. 

Um bom exemplo para se pensar é: caso você esteja dando publicidade a um indicador e as pessoas não estejam olhando para ele, pode ser um sinal de que não sua relação com o negócio não esteja traduzida de forma clara ou que sua linguagem não esteja adequada.

Por fim, é preciso pensar que se um indicador está relacionado à operação, é preciso re-analisá-lo caso a haja qualquer mudança nas condições.”

Quais são as dicas de aprendizado para os gestores de empresas menores ou iniciantes? 

“O primeiro ponto é estabelecer um método para entender e pensar um KPI. Eu uso a metodologia S.M.A.R.T. 

Ela ajuda a criar um KPI que seja ‘específico’ (o que medir), ‘Mensurável, ‘Alcançável (que deve desafiar), relevante, e com Tempo (período de apuração) definido.

Como dica, eu diria que ‘quantidade’ não é ‘qualidade’. Também deve-se sempre procurar manter a simplicidade, pois dessa forma, as chances de que as demais áreas da empresa o entendam são maiores, uma vez que os KPI’s precisam ser públicos.

Os KPIs também precisam ser vivos e devem servir aos objetivos do negócio. Por isso, eles devem mudar sempre que necessário. Por fim, eu diria que é preciso adequar a linguagem às métricas da companhia, que geralmente, estão voltadas aos “saves” financeiros.”

Quer ver mais conteúdo sobre gestão jurídica?

Essa palestra fez parte do conteúdo do B2B Legal Conference 2020, o maior evento online abordando as inovações no setor jurídico da América Latina. Com mais de 15 palestras de experts da área, o Legal Conference discutiu as transformações do setor e como os profissionais podem acompanhar as mudanças.

Publicado por Vanessa Araujo

Vanessa Araujo é jornalista formada há mais tempo do que gostaria de admitir. No decorrer de sua jornada, trabalhou em diversas frentes da comunicação de empresas e agências de todos os portes e segmentos. Para ela, o mundo tech é a base que melhora as relações humanas e "simplicidade" é a palavra que se traduz em todos os conteúdos que desenvolve. E, apesar de saber que o mundo tecnológico de hoje é repleto de escolhas, prefere não assistir Netflix.


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