Bitcoin, Facebook e a Corrida do Ouro

Publicado em 15 de abril de 2021

Quem assistiu ao filme “A Rede Social” ou conhece a história do Facebook, sabe que lá no longínquo ano de 2004, nas salas de aula de Harvard, além de Mark Zuckerberg e do brasileiro Eduardo Saverin, havia dois irmãos gêmeos envolvidos na criação da rede social mais valiosa do planeta.

Para quem não viu o filme, aqui vai um pequeno spoiler (convenhamos que 15 anos depois do fato acontecer não é spoiler): os irmãos Cameron e Tyler Winklevoss, após longa disputa judicial, receberam a bagatela de 65 milhões de dólares pela ideação do Facebook.

Um valor suficiente para mim, você e 99,9% da população mundial viver o resto da vida de forma muito confortável, mas pequeno em relação ao valor de mercado da empresa caralivro, e que deve ter deixado os gêmeos bastante incomodados.

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Cena do filme “A Rede Social”, Andrew Garfield como Eduardo Saverin (a esquerda) e Jesse Eisenberg como Mark Zuckerberg

O que pouca gente sabe é que os irmãos Winklevoss investem pesado em bitcoin desde 2012 e hoje, abril de 2021, com bitcoin valendo acima de US$60 mil, possuem uma fortuna estimada em mais de 3 bilhões de dólares.

E não é que eles simplesmente guardam todas essas moedinhas numa caixa forte virtual, como se fossem uma espécie de Tio Patinhas da modernidade, mas são fundadores de uma empresa de negociação avançada para ativos digitais, a Gemini Exchange. Mas antes de falar da Gemini, precisamos entender um pouco melhor sobre bitcoin e moedas virtuais.

Afinal, o que é o Bitcoin?

Preciso dar um passo mais atrás ainda antes de falar de bitcoin. O que é o dinheiro? A melhor definição que já li, no brilhante livro do Alexandre Versignassi, “Uma breve história da economia”, dinheiro é aquilo que permite que a manicure consiga pães sem ter que fazer as unhas do padeiro.

Ou seja, algo físico, que as pessoas confiem, enxerguem valor e consigam trocá-lo por produtos e serviços. Diversos tipos de metais já cumpriram e ainda cumprem essa função ao longo da história, como o ouro e a prata.

Há alguns poucos séculos, o papel entrou na jogada, com diferentes cédulas representando determinado valor e que permitam esse câmbio de produtos e serviços de maneira confiável.

E o bitcoin? Também é um “dinheiro” para comprar e vender produtos e serviços de maneira confiável, só que apenas no formato digital. Você não vê o bitcoin, você só vê um número na sua carteira digital. “Beleza, mas até aí é só o que eu vejo no app do meu banco também”. Calma, jovem, ser digital é a primeira característica do bitcoin.

A segunda e mais importante, é que é uma moeda descentralizada, não é emitida nem controlada por nenhum governo ou banco e as transações são as chamadas P2P (peer-to-peer ou ponto a ponto ou ainda, como os paulistas dizem, mano a mano).

Ele surgiu lá em 2008, depois da crise do subprime nos EUA que assolou o mundo todo.

Resumindo de uma forma bastante grosseira, alguém (não se sabe quem, a pessoa ou grupo de pessoa assumiu o nome Satoshi Nakamoto como criador da moeda) ficou indignado em como os governos correram para socorrer os grandes bancos com a justificativa de salvar a economia, enquanto grande parte da população estava sendo duramente afetada pela crise.

Então o Satoshi criou essa moeda descentralizada, que seria mais justa para todo mundo e não teria interferências de bancos e governos.

“Nossa, mas é confiável?” Eu repeti três vezes a palavra confiável ao longo do texto porque esse é um fator muito importante em moedas. Quando as pessoas, o “mercado” e outros governos param de “confiar” na sua moeda, ela desvaloriza. E esse é um dos grandes problemas atuais do bitcoin, mas que vem ganhando cada vez mais confiança do grande público.

Ou seja, assim como o padeiro não iria querer trocar pães por unhas bem feitas, dificilmente ele toparia trocar um café pingado e um pão na chapa por uns milionésimos de bitcoins. Não que ele não esteja antenado no mundo tech, mas por que dificilmente as produtoras do café iriam aceitar bitcoin como forma de pagamento.

E seria mais difícil ainda as produtoras de café pagarem pequenos agricultores em bitcoin. Ainda não há uma grande aceitação do mercado.

Seria o bitcoin uma espécie de ouro do século XXI?

O leitor ou leitora mais perspicaz pode questionar “Mas o ouro também não é muito aceito no mercado e vale muito”. De fato, caro leitor e leitora, você não chega na loja de eletrodomésticos e troca a aliança de ouro que sobrou da sua separação por uma geladeira.

Talvez você até consiga fazer isso em alguns lugares, mas é muito complicado por alguns motivos. É difícil verificar se o metal é ouro mesmo e quantos gramas de ouro tem na aliança. E qual o valor do ouro no momento da compra? A cotação está sempre flutuando.

Então por que diabos as pessoas enxergam tanto valor num pedaço de metal amarelo maneiro?

Escassez. É um pedaço de metal amarelo maneiro que só eu tenho, não oxida e é difícil pra burro conseguir mais. Cada dia que passa existe menos ouro disponível para ser explorado.

Os tempos em que o Tio Patinhas pegava uma picareta, ia pro Klondike no Alasca e achava umas pepitas do tamanho de uma laranja (como Engenheiro de Minas afirmo que não existe pepita do tamanho de uma laranja) se foram.

Entender o valor do ouro é muito mais complexo do que um artigo consegue explicar, mas assim como o ouro, outro fator de valorização do bitcoin é a escassez. Aliás, o bitcoin simula de forma absolutamente similar o ouro, que era muito mais abundante na natureza do que é hoje, após extensa exploração.

Na criação do bitcoin em 2008 várias moedas eram liberadas na rede, todos os dias, e as pessoas tinham que programar robôs para encontrá-las. Com o passar do tempo, diminui-se a quantidade de bitcoin que é liberada para minerar, ao mesmo tempo que aumenta o interesse das pessoas, aumentando a escassez da moeda.

Até que em 2140, todas as 21 milhões de moedas criadas estarão disponíveis na rede e a mineração irá acabar, havendo apenas possibilidade de transações. Ou seja, de certa forma ainda estamos na época do Tio Patinhas no Alasca.

Então a Gemini é uma mina de ouro?

Não exatamente, porque o foco da Gemini não é a mineração do bitcoin e sim uma rede de troca de criptomoedas (bitcoin não é a única, existem várias), serviços de custódia fiduciária e de transações de ativos digitais. Aliás, se tem algo que os Winklevoss entendem é de criar redes.

No começo de janeiro, Cameron tweetou “#Bitcoin superou o Facebook em valor de mercado. Faz sentido que uma rede de dinheiro seja muito mais valiosa que uma rede social”, em clara provocação a seu ex-coleguinha de faculdade, Mark Zuckerberg.

Veja bem, o que vale mais que o Facebook é a soma do valor de todos os bitcoins existentes e não a Gemini. Mas após o pedido de IPO da empresa dos Winklovoss, alguns gurus de mercado estão dizendo que é apenas questão de tempo para a Gemini ser mais valiosa que a rede social.

Quem vai ganhar essa briguinha particular de bilionários não importa, o que importa é que moedas digitais se tornaram realidade e assim como o Tio Patinhas no Alasca, tem gente fazendo fortunas nessa corrida do ouro.

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Publicado por Diego Andriolo

Diego Andriolo é um engenheiro que passou mais tempo escrevendo para o jornal universitário do que estudando cálculo. Trabalhou em minas de carvão na Hungria, em grandes empresas de tecnologia e no mercado financeiro, mas nunca deixou de lado a prática de escrever. Gosta de livros tristes da literatura russa, mas também lê bulshitagem do mundo corporativo.


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