A cultura que veio para ficar em gestão jurídica: gestão ágil baseada em Scrum

Publicado em 16 de julho de 2020

Capa artigo plestra Leandro Scrum

Leandro Gonzales, gerente jurídico do Itaú, trouxe para o B2B Legal Conference sua experiência sobre boas práticas no jurídico com base na metodologia Scrum. No bate-papo, o palestrante contou como funcionam as rotinas do departamento e os benefícios que seguir esse caminho pode ter para outras empresas.

Nesta palestra, realizada no Legal Conference 2020, foram discutidas as boas práticas na gestão ágil de um departamento jurídico baseado em Scrum, com a perspectiva de uma grande empresa.

Quem é o palestrante 

Leandro Gonzales é gerente jurídico do Itaú Unibanco onde idealizou, criou e no qual lidera o 1º escritório jurídico contencioso 100% Scrum (Ágil) do mundo. Advogado, bacharel pela PUC-SP, Professional Scrum Master e Professional Product Owner pela Scrum.org, Leandro trabalha para transformar a gestão jurídica com base nos valores e cultura ágeis.

O profissional atua há 11 anos no Itaú e hoje lidera uma equipe formada por 36 advogados, divididos em seis times. Atualmente, lidam com 7 mil processos, que representam 30% do todo processual do Itaú.

Por que o Scrum?

De acordo com Gonzales, o modelo ágil emergiu conforme as necessidades de gestão da área, baseadas no volume das demandas diárias.

Antes do implementação do Scrum, a estrutura do departamento jurídico trabalhista do Itaú funcionava a partir do modelo tradicional de gestão. O time já atuava com grande autonomia, mas, existiam algumas dificuldades no dia a dia.

Ao assumir a gestão, Leandro foi em busca de algo que pudesse ser feito de forma diferente. “Já tinha lido o livro de Jeff Sutherland, que aborda questões sobre como trabalhar dando autonomia para as pessoas. Decidi investigar se era possível aplicar no nosso dia a dia”, conta.

Segundo o palestrante, o ágil traz mudanças culturais bastante fortes, propondo revisões de hábitos arraigados por anos. Contudo, em pouco tempo, foi possível verificar uma transformação na área em termos de comportamento das pessoas. 

A partir de agora, Leandro nos conta como tudo aconteceu na prática.

Assista abaixo a palestra na íntegra.

Como foi a implementação?

“Foi preciso fazer duas revoluções: colocar o cliente no centro de tudo, removendo o acionista desta posição, e colocar o gestor servindo aos colaboradores.”

Dentro de um departamento jurídico, o Scrum estabelece a teoria da liderança servil, na qual o gestor, na função de Scrum Master, serve ao advogado. Da mesma forma que o ágil faz uma revolução, colocando o cliente no centro de tudo, o Scrum faz uma revolução na gestão, pois ele tira o gestor do centro do universo. 

O framework do Scrum trata de uma estrutura de trabalho que leva ao estado de agilismo, com entrega constante de valor. Para isso, é necessário construir times pequenos, que tenham autonomia e as skills necessárias. 

O trabalho tradicional é baseado na especialização, no comando, controle e na centralização da decisão. O Scrum sugere uma abordagem diferente, onde é possível ter diversidade de ideias. Cada um se compromete com o time e com o todo. 

Temos como premissa, por exemplo, que jamais devem ser feitas horas extras. Se não for possível cumprir isto, é preciso rever o modo de trabalhar e ver onde estão os erros. 

Ao trabalhar menos horas per capita, estamos entregando muito mais. Nosso estágio de amadurecimento é bastante acelerado. Temos os mesmos problemas que todos os escritórios, mas a diferença está em nossa abordagem como time. 

É uma relação de ganha-ganha maravilhosa e todos saem muito satisfeitos. Nossa curva de aprendizagem é muito positiva.”

Dentro da metodologia Scrum, o que foi preciso adequar das práticas de TI para as jurídicas?

“A estrutura do Scrum, embora tenha sido criada para a TI, leva à reflexão e ao looping de feedbacks, que permitem um review das ações. Esse modelo serve para qualquer coisa. 

O Scrum não é uma receita pronta, por isso, é possível adaptar o framework aos eventos do seu dia a dia. A partir disso, é possível identificar melhorias e oportunidades de evolução periodicamente, permitindo uma melhor adaptação a desafios não previstos.

Em um departamento jurídico temos as demandas que são geradas pelo poder judiciário. Temos, portanto, um volume de trabalho que é ‘puxado’ por um terceiro, que está fora do time. 

Trabalhamos com ocupação total, de forma constante, sem sobras de tempo ou sobreposição de funções. Estamos sempre gerindo o que queremos entregar como valor, mas sem perder de vista os nossos prazos. É uma abordagem humanizadora do trabalho, na qual as pessoas se sentem parte.

Implementar o Scrum não é tão complexo como se pensa. Trata-se de uma mudança cultural, que precisa ser desenvolvida todos os dias a partir de novos hábitos.” 

Como funcionam as rotinas do departamento jurídico dentro da gestão ágil?

“A base científica do Scrum é o empirismo. Não fazemos planejamentos anuais, como um departamento jurídico convencional. Mas, sim, planejamos períodos mais curtos, o que nos permite identificar erros com mais velocidade e aprender com a nossa experiência.

De modo prático, funciona assim: nossos times planejam as sprints, dentro do prazo esperado de entregas. Como Product Owner, minha função é definir as prioridades. Dividimos as tarefas entre os times, mas os próprios advogados escolhem suas tarefas e os prazos de realização. 

Ao término da planejamento, partimos para a ação. Todos os dias fazemos um ‘daily Scrum’ com o objetivo de ter uma previsibilidade para as próximas 24 horas. Nesse encontro, analisamos o previsto x realizado, a sequência das ações e os problemas que surgiram.   

Ao final do sprint, fazemos um review, a partir das nossas métricas e indicadores de performance. Analisamos tudo o que foi feito e os objetivos alcançados. Nesse momento, todos se expressam livremente para contribuir. Incluímos nesta agenda também alguns stakeholders como diretores e times de apoio.  Posteriormente, fazemos a nossa retrospectiva, com os feedbacks sobre a execução das atividades.”

Quais foram os aprendizados trazidos por essa transformação de cultura que outras empresas poderiam aplicar?

“Partimos da premissa que os nossos colaboradores são honestos e querem dar o seu melhor para que possam brilhar. Não partimos do princípio da desconfiança, ou da necessidade de controle. Isso seria impossível ainda mais nesse momento em que o time tem trabalhado em home office. 

A gestão baseada na confiança é uma transformação cultural. Dar autonomia também é uma decisão que deve partir de cada o gestor. No Scrum, são os advogados que decidem o que vão fazer. Existe um empoderamento, que deve ser balizado por cinco valores, além dos três princípios do empirismo. Temos uma base teórica muito forte, que é baseada em valores e não em métricas de produtividade ou numéricas. 

Para implementar um framework de Scrum, basta ter disciplina e um Scrum Master para dar as diretrizes. O mais difícil neste processo é se libertar das raízes do comando e controle. 

O objetivo é desburocratizar. Por exemplo: usamos algumas horas do nosso tempo para planejar e alguns minutos do nosso dia para replanejar as tarefas das próximas horas. Usamos também algumas horas para a análise das entregas e outras para a reflexão sobre como trabalhamos. Todo o resto do tempo é usado para trabalhar e entregar valor para a empresa. 

Trata-se de mudança cultural drástica, pois não há espaço para a procrastinação, já que é preciso entregar valor todos os dias. Ao mesmo tempo, é possível verificar que se pode fazer muito mais com muito menos recursos.”

Qual é o stack de ferramentas que utilizam?

“Usamos um bom software de videoconferência para mantermos o espírito de equipe, mesmo no trabalho a distância. Usamos também uma ferramenta de Kanban virtual e outra que mostra a evolução dos KPI’s, conforme nossos objetivos de negócios. 

Para auxiliar o trabalho do advogado no dia a dia são fundamentais as ferramentas que mostram o status das atividades previstas, realizadas e as que precisam ser feitas. Para o gestor, são necessárias soluções que apontem o backlog, para a priorização das atividades e acompanhamento do que entrou na sprint. 

No geral, não utilizamos ferramentas complexas, elas estão disponíveis no mercado, ainda que sejam necessárias algumas adaptações. Preferimos ferramentas que não prendam os advogados naquilo que ele precisa fazer, mas que permitam uma visão do todo para que seja possível re-priorizar, a cada dia, o que precisa ser desempenhado.”

Quer ver mais conteúdo sobre gestão jurídica

Essa palestra fez parte do conteúdo do B2B Legal Conference 2020, o maior evento online jurídico da América Latina, que contou com mais de 15 palestras com experts da área e discutiu as transformações do setor e como os profissionais podem acompanhar as mudanças.

Publicado por Vanessa Araujo

Vanessa Araujo é jornalista formada há mais tempo do que gostaria de admitir. No decorrer de sua jornada, trabalhou em diversas frentes da comunicação de empresas e agências de todos os portes e segmentos. Para ela, o mundo tech é a base que melhora as relações humanas e "simplicidade" é a palavra que se traduz em todos os conteúdos que desenvolve. E, apesar de saber que o mundo tecnológico de hoje é repleto de escolhas, prefere não assistir Netflix.


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